terça-feira, 1 de março de 2011

Infecções por micobactérias de crescimento rápido resistentes a desinfetantes: uma problemática nacional?

PITOMBO et al. RBGO v.31, n.11, 2009.

Resumido e apresentado por: Felícia Tibúrcio Regina R3, fev 2011.

Introdução
Os bacilos álcool ácido resistentes de crescimento rápido ou micobactérias de crescimento rápido (MCR) que incluem Mycobacterium fortuitum, Mycobacterium chelonae-abscessus, Mycobacterium smegmatis, M. aurum, M. elephantis, M. flavescens formam colônias visíveis a olho nu em até sete dias quando incubadas em meio sólido, diferentemente daquelas de crescimento lento como Mycobacterium tuberculosis e Mycobacterium avium, as quais o fazem após 7 a 30 dias de incubação.
As MCR estão amplamente distribuídas no ambiente, particularmente no solo e na água, incluindo água potável, biofilmes em tubulações de sistemas de distribuição de água, piscina, esgoto, superfícies e outros. Alguns estudos descreveram uma possível resistência das MCR ao processo de cloração, o qual é utilizado para tratamento de água de piscinas ou de consumo, e tratamento com glutaraldeído (GA), cloreto de benzalcônio, compostos organomercuriais, clorexidina e até mesmo autoclavação.
As MCR são as espécies mais prevalentes em infecções em seres humanos relacionadas com exposição de sítios estéreis a fontes de água contaminadas ou com a infusão de soluções aquosas, sendo inexistentes os relatos indicando transmissão horizontal direta. As cepas das espécies M. abscessus e M. chelonae são suscetíveis à amicacina, cefoxitina e claritromicina, mas cerca da metade das cepas apresenta resistência intermediária ao imipenem e linezolida, e plena à ciprofloxacina e doxiciclina. A maioria das cepas de M. fortuitum é suscetível à amicacina, cefoxitina, ciprofloxacina, imipenem, linezolida e trimetoprim sulfametoxazol, mas aproximadamente 50% delas apresentam resistência plena à claritromicina e doxiciclina.

Epidemiologia de infecções por MCR no Brasil
No Brasil, as infecções nosocomiais representam um problema emergente:
·         Em 1988 e 1999 foram diagnosticados dois casos de ceratite por M. abscessus após cirurgia a laser para correção de miopia em uma mesma clínica.
·         Em 1999, 22 pacientes em outra clínica na cidade do Rio de Janeiro também apresentaram ceratite com diagnóstico laboratorial de infecção por M. chelonae, mas não foi determinada sua fonte de infecção.
·         No ano 2000, outro novo surto de ceratite após cirurgia a laser causada por M. chelonae, envolvendo dez pacientes em uma única clínica em São Paulo foi descrito. O microorganismo foi também isolado do filtro do ar condicionado da sala de cirurgia e da água do reservatório do vaporizador utilizado para a limpeza do cerátomo.
·         No mesmo ano foram diagnosticados abscessos cutâneos em pacientes submetidos à mesoterapia em uma clínica na cidade de São Paulo. O tratamento consistia de cinco a dez sessões envolvendo injeções intradérmicas. O M. chelonae foi identificado como o agente etiológico em dez pacientes.
·         Em Campinas de 2002 a 2004, Padoveze et al. descreveram um surto envolvendo 50 casos suspeitos (14 confirmados) de infecções de pele e subcutâneo por M. abscessus, M. fortuitum e M. porcinum após procedimentos cirúrgicos de implante de prótese de silicone.
·         Desde 2004, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tem divulgado a ocorrência de 15 surtos isolados de MCR associados a cuidados com a saúde em várias Unidades Federadas brasileiras, incluindo DF, ES, GO, MS, PA,RS, RJ e SP. Os surtos relacionados aos procedimentos cirúrgicos envolvem principalmente aqueles em que os instrumentos médicos foram desinfetados com soluções de GA.
o   De Agosto de 2006 a Julho de 2007, 1.051 casos suspeitos foram notificados em 63 hospitais no Rio de Janeiro. As infecções estavam relacionadas à realização de procedimentos videolaparoscópicos e acometeram principalmente a pele e o tecido celular subcutâneo. Os pacientes apresentavam como principais manifestações clínicas a formação de abscessos, nódulos e ulcerações nos sítios de incisão, e não respondiam ao tratamento antimicrobiano padrão para infecções do sítio cirúrgico. A partir dos casos com confirmação por cultura, o Mycobacterium massiliense foi identificado em 97,2% dos casos. Verificou-se a existência de um clone de M. massiliense entre os casos confirmados, denominado BRA100, o mesmo clone encontrado e caracterizado nos surtos de Belém e Goiânia.

Procedimentos associados à infecção e fatores de risco possíveis
As infecções de sítio cirúrgico por M. massiliense (BRA100) estiveram associadas, em sua maioria, a procedimentos videocirúrgicos (96,5%) do tipo colecistectomia, apendicectomia, cirurgia diagnóstica, ooforoplastia, ooforectomia, miomectomia, histerectomia, e cirurgias estéticas (3,5%) como lipoaspiração e implante de prótese mamária. Curiosamente, e ao contrário do que se observou nas cirurgias videolaparoscópicas, dentre os procedimentos estéticos observou-se uma maior variedade de patógenos micobacterianos associados aos quadros de infecção pós-cirúrgicos como M. abscessus, M. chelonae, M. fortuitum e M. massiliense (clone BRA100), o que pode indicar menor rigor na aplicação dos métodos de limpeza e desinfecção para os instrumentais utilizados para essas finalidades, favorecendo; dessa forma, a sobrevivência de MCR não resistentes a desinfetantes.
De acordo com norma vigente, os artigos cirúrgicos utilizados nos procedimentos laparoscópicos eram submetidos à desinfecção de alto nível pela imersão em solução de GA a 2% por 30 minutos. No intuito de investigar a hipótese de tolerância ou não suscetibilidade das cepas do surto a esse agente, foram realizados estudos experimentais, utilizando cepas obtidas diretamente dos casos confirmados e cepas de referência de coleções como as do Instituto Nacional de Controle de Qualidade e American Type Culture Collection. Com esse procedimento, foi comprovada particular tolerância do clone BRA100 pertencente à espécie M. massiliense a diferentes soluções comerciais de GA a 2%, mesmo após 30 minutos, 1, 6 e 10 horas de exposição. Cepas com características semelhantes não foram descritas em outros países.
De acordo com as investigações realizadas durante a epidemia no Estado do Rio de Janeiro, diversos aspectos inadequados na prática pré operatória foram observados: ausência de registros efetivos de soluções de GA comerciais utilizadas na desinfecção de alto nível quanto à marca, tempo de imersão dos instrumentos, validade, confirmação da concentração e pH, presença ou não de matéria orgânica; não utilização de recipientes adequados para armazenamento das soluções em uso e processo de desinfecção; ausência de uniformidade quanto ao profissional responsável pela limpeza e desinfecção e carência de treinamento específico; ausência de procedimentos operacionais padrão e/ou protocolos com detalhes das condutas a serem aplicadas na limpeza e desinfecção; reutilização de material descartável; ausência de controle microbiológico do funcionamento das autoclaves ou investigação microbiológica do instrumental por amostragem e inadequado sistema de vigilância de infecções pós-cirúrgicas.
Com base nestes achados e de forma a prevenir a ocorrência de novos surtos, foi publicada recentemente a suspensão cautelar do uso de GA a 2% como desinfetante ou esterilizante líquido para artigos críticos, pela Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro e a proibição de esterilização química líquida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, sem a existência de alternativas imediatas respaldadas pelo conhecimento científico.

Perspectivas
Dentre os aspectos recentes envolvendo as MCR relacionadas aos surtos recentes no Brasil, estão sendo concluídos os estudos de avaliação da suscetiblidade do clone BRA100 de M. massiliense a desinfetantes diversos, como ortoftaldeído (OPA) e o ácido peracético, de forma a propor novas alternativas para desinfecção de instrumentais médicos ou odontológicos termossensíveis para contribuir à adequação de medidas proibitivas para o uso de soluções desinfetantes.

Questão

São práticas inadequadas de desinfecção e esterilização de artigos críticos, exceto:
a)    Não utilização de recipientes adequados para armazenamento das soluções em uso e processo de desinfecção.
b)    Ausência de uniformidade quanto ao profissional responsável pela limpeza e desinfecção e carência de treinamento específico.
c)    Reutilização de material descartável.
d)    Controle microbiológico do funcionamento das autoclaves.

2 comentários:

  1. Lembro quando, no inicio do nosso R1, proibiram a esterilização com Glutaraldeído das óticas das CVLs e histeroscopias.
    Era tão mais prático, mas pelo visto, mais arriscado.
    abs
    Diogo

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  2. Felizmente durante meu período de residência e até hj ainda não tive esse tipo de complicação usando GA. Aqui em Maceió os hospitais ainda disponibilizam . Levarei esse artigo para discussão no grupo de estudos. Abs

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